EU
Nasci em Évora num domingo e talvez, por isso, seja dada ao vagar.
Vivi na rua onde morou Florbela Espanca. Gosto da côdea do pão acabado de cozer.
A minha casa ficava por cima da minha primeira escola. Rua abaixo, rua acima fui apre(e)ndendo o mundo.
Aprendi matemática com a maquia gasta, todos os dias, na mercearia do Sr. Ângelo.
Percebi que o caminho dói quando o Sr. Moreira me punha meias solas nos sapatos, gastos pela brincadeira.
Aprendi a escutar, ouvindo as estórias da vizinhança contadas pela D. Vicencia e pela D. Victória.
Tive um grilo e dois canários. Aprendi o cuidar e o dizer adeus.
O cheiro a café devolve-me a casa. Não gosto do frio nem da chuva.
São os pássaros que acordam a manhã à minha janela.
O meu primeiro brinquedo foi uma máquina registadora mas troquei as contas à vida por notas de contos.
Não resisto a figos. Quis ser professora. Aos 18 anos Lisboa foi-me demasiado barulhenta. Faltavam-me os “Serões da Província”.
Formei-me na Universidade de Évora. Continuo a enviar postais, escritos à mão.
As manhãs deviam ser longas em conversas e as noites entrarem pelas madrugadas adentro.
Numa cozinha aprendi a contar grãos. Contar o tempo. Contar a vida.
Adoro Açorda de Alho. Coleciono relógios, fotografias e porta-chaves.
Acareio tudo quanto é memória. Ganhei uma medalha num campeonato de xadrez.
Não vivo sem livros. Sou mediadora de leitura. Conto histórias.
Viajo muito ao redor de mim. Tenho mãos inquietas.
Faço livros de pano e pastéis de nata. Tenho o vício dos livros antigos.
Conservo ainda um sonho de menina. O lume de chão é-me companhia.
Agora estou a aprender a fazer malha e assim (me) sigo…
Raíz de mim
Nasci.
Veias pulsando terra com anéis de sol, pendurados nos dias.
Aqui, na raíz de mim, não sabia que a palavra podia ser sinónimo de caminho. Fruto e semente. Colhida e semeada, dia a dia.
Sempre tive orelhas atentas, desde miúda…
vivi rodeada de mulheres e foi com elas que aprendi a sentir o mundo, por dentro.
Correr pelo meio de uma seara. Medir-me pela altura de um girassol. Subir à figueira para desafiar as leis da física. E beber a água das fontes, nas pequenas mãos em concha.
Costuro textos do meu universo da infância para cerzir o tempo.
Busco quem sou. Muito. Nomeio-me.
É essa a premissa das palavras que partilho.
Sou a sombra do livro.

O QUE FAÇO
Mãos e Boca, par a cada passo
Livros/Leitura(s)/Conto(s)/Canto(s)
As mãos abrem as palavras que a boca silencia. Procuro fios que conduzam página a página, entre capas e contra-capas. Conto e canto as histórias que me escrevem. Gosto de dobar palavras, ilustrações, autores, poesia e cantos como um novelo que cresce e vai ganhando forma, entre as mãos, com o tempo. No final, rematar com nó(s). Guardar o novelo, no bolso, como quem guarda um pequeno mundo para brincar.
Conto por ponto
Livros que nascem de retalhos de pano e de memória. Cada um é uma peça única. Mutáveis a cada nova construção. Procuro as cores terra, as que entram pelas janelas de onde venho. Procuro os sons que me embalaram e que ainda, hoje, me dão colo. Procuro chegar ao ponto exacto.
Palavras que (des)folho
Palavras que (des)folho
Nasci.
Cada palavra encerra uma cadência,
um ritmo e uma musicalidade.
Cada palavra é uma côr, um padrão e uma textura.
A palavra resgata-me do desconhecimento.
Fia saberes ancestrais.
Procuro o simples, a essência.
A luz do branco da cal.
A Palavra é frágil. É poderosa.
É efémera, dita. É memória, registada.
Mexer em algo que vem perdurando
no tempo é mexer num tecido delicado.
O tempo faz o fruto amadurecido.
O que perdura depois é o eco,
fiado nas linhas interiores de cada um.
Um livro em aberto.

Olhar (a)dentro
Olhar cada página como linha do horizonte.
Olhar cada canto como um lugar, único.
Contar é uma leitura constante, do outro. É buscar a direcção da palavra nos olhos que seguem a boca.
Cada encontro nasce e morre. É um ciclo, redondo. Irrepetivel.
Há que abrir alma à chegada e abraçar à partida
“Tocar o outro mas não o deixar cair”.
Procuro ser ponte
Com o tempo vou afinando as agulhas para chegar mais perto. Apertar a malha.
O silêncio é a fonte da palavra.
Sem silencio não há palavra. É dele que rompe o som.
E os olhos guardam todas as palavras ditas em gestos mudo.

CAMINHO PERCORRIDO
- ContanárioÉVORA
- Feira do Livro de LisboaLISBOA
- Palavras Andarilhas / Contos do MundoBeja
- Festa dos ContosMONTEMOR-O-NOVO
- Caminhos de LeituraPOMBAL
- Porto de ContosPORTO
- Feria Internacional del Libro de Buenos Aires
- Rio de ContosALMADA
- Biblioteca Nacional de Cabo Verde
- Livros à RuaÉVORA
- Conta-me Uma História - Fundação Eugénio de AlmeidaÉVORA
- Encontro Maré de PalarasMOITA
Mãos:
“Ponho nelas
a minha boca”
(Eugénio de Andrade)
Estou por inteira,
no momento em que a boca segue as mãos.
Dentro,
um escuro e profundo vazio, um grito preso.
Na mão,
uma parte de mim – indissociável.
O espelho que reflecte a minha imagem mais fiel
